A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3º, I, estabelece o dever de o Estado Federativo Brasileiro em promover o bem social. De modo que a atividade administrativa, para alcançar a Supremacia do Interesse Público, limita o exercício dos direitos individuais.
À Administração Pública, então, foi atribuída a tarefa de aplicar a lei para a consecução do bem comum, isso se chama Poder de Polícia, constatado na atuação dos agentes fiscalizadores na conduta dos indivíduos.
Bem como assevera José dos Santos Carvalho Filho,
a fiscalização apresenta duplo sentido: um preventivo, através do qual os agentes da Administração Pública procuram impedir o dano social, e um repressivo, que, em face da transgressão da norma de polícia, redunda na aplicação de uma sanção.(CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 9 ed. p.68).
Em termos legais, destacando-se o art. 78 do Código Tributário Nacional, o instituto jurídico do "poder de polícia" está definido como sendo:
“Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 28.12.1966)
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder”.
A conduta administrativa de fiscalização deve pauta-se em princípios legais vigentes, não se admitido o convencimento íntimo do agente fiscal baseado no pretexto do poder de autuar, sob pena de caracterizar-se um abuso do poder ou desvio.
Atributos: discricionariedade, auto-executoriedade e coercibilidade
Diz-se que o ato de polícia será discricionário para a Administração Pública com livre escolha da oportunidade e da conveniência para exercê-lo desde que se contenha nos limiteslegais traçados. Ou seja, cabe a vigilância sanitária realizar a fiscalização quando entender cabível, basta ter um motivo que, dentro dos limites legais, fundamente aquele ato fiscal, como exemplo: uma denúncia, inspeção rotineira, conduta que ocasionou lesão ou ameaça à saúde pública. Não confundir com ato arbitrário, porque esse é realizado sem fundamentação legal alguma.
Auto-executoriedade significa que a Administração Pública pode promover, por seus próprios meios, a execução de suas determinações sem exigir-se prévia autorização judicial. Isso significa que a decisão administrativa impõe-se ao particular ainda que contra a sua vontade.
No âmbito judiciário se questiona a legalidade (desvio de finalidade e excesso de poder, conforme já mencionado: parte final do parágrafo único do art. 78 do CTN). São exemplos de atos de polícia auto-executáveis: a apreensão de mercadorias impróprias para o consumo, a interdição deestabelecimento que não atenda às normas de segurança ou higiene, a ordem de interrupção de uma atividade empresarial.
A coercibilidade traduz-se na imposição coativa das medidas adotadas pela Administração Pública de forma autoritária. Hely Lopes Meirelles assinala que "não há ato de polícia facultativo para o particular". O que deve atentar-se nesse atributo é que "poder de fiscalizar" deve seguir os parâmetros do Princípio da Proporcionalidade, bem como na Lei 9.784/99, art.2º e inciso VI, que rege o processo administrativo federal assevera:
“art. 2º: A administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”.
Parágrafo único: Nos processos administrativos serão observados, entre outros os critérios de:
VI- adequação entre meios e fins, vedada a disposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público.”
Competência e delegabilidade
O exercício da atribuição de polícia administrativa cabe, em regra, à entidade a quem a Constituição Federal outorga competência para legislar sobre determinada matéria. Dessa forma, os assuntos de interesse nacional ficam sujeitos à regulamentação e policiamento da União, enquanto que os de interesse regional sujeitam-se às normas expedidas pelo Estado-membro.
Cabe ao Município o exercício da polícia administrativa em tudo o que for de interesse local. E de acordo com art. 30, VI da CRFB/88, em atenção à saúde da população, é o Município o ente federativo responsável por fiscalizar atividades que potencialmente pode trazer algum risco. A delegação da competência a agências privadas não é permitida, somente nas hipóteses de caráter informativo, jamais fiscalizador.
Proporcionalidade e limites
A Administração Pública é quem deve proceder com extrema cautela para não aplicar meios mais enérgicos do que o suficiente para se alcançar os fins almejados, já que a fiscalização interfere diretamente na esfera da liberdade dos cidadãos e empresas produtoras.
Diante de um ato fiscal abusivo, que ameace ou lesione qualquer dos direito fundamentais garantidos à pessoa empresária como a sua empresa pela CRFB/88, vale lembrar que a medida emergencial com fim de impedir os efeitos da sanção ilegal, é a impetração de mandado de segurança no prazo de 120 dias a contar da conduta fiscal abusiva, com fulcro no art. 5º, LXIX da CRFB/88 e Lei 1533/51.
O controle de eventuais excessos deverá ser coibido pelo controle judicial, que verificará a responsabilidade civil com cabimento de indenização ao lesado na forma do art. 37, §6.º da CRFB/88, independente da apuração administrativa. O controle administrativo poderá ser realizado conforme lei 4898/65, que regula o direito de o particular poder representar o agente fiscal junto a seus Superiores Hierárquicos, para apurarem e julgarem as responsabilidades administrativas, civis e penais no caso de abuso de autoridade. Sendo oportuno frisar que, de acordo com art. 6º da lei 4898/65, o abuso de autoridade sujeitará o agente a sanções que consistem desde advertência a demissão a bem do serviço público.
Formas de atuação e sanções
A atuação da Administração Pública exercitando seu poder de polícia pode se dar a partir de atos preventivos, fiscalizadores e repressivos. Atos preventivos seriam os próprios regulamentos administrativos expedidos no intuito de padronizar certos comportamentos ou mesmo através das autorizações ou licenças às quais cabe ao Poder Público conceder.
Os atos fiscalizadores consistem em inspeções, vistorias e exames realizados pela Administração justamente para ver cumpridos os regulamentos e normas pertinentes. Por fim, os atos repressivos fecham o ciclo dessa atividade administrativa e consistem na aplicação de sanções pela desobediência das normas de conduta previamente impostas aos administrados através do exercício do poder de polícia.
As sanções a serem aplicadas pela Administração Pública devem ser previamente fixadas em lei e podem ser: I – pecuniárias (multas); II – restritivas (interdição de atividade); III – destrutivas (inutilização de gênero alimentício impróprio ao consumo). É possível que o mesmo fato, juridicamente, possa gerar pluralidade de ilícitos e de sanções administrativas. Entretanto, as sanções devem ser escalonadas de modo a causar o menor sacrifício possível ao particular.
Ademais, é na aplicação das sanções que deve ser observado o princípio da proporcionalidade ou da adequação dos meios aos fins. Como diz Hely Lopes Meirelles,
"sacrificar um direito ou uma liberdade do indivíduo sem vantagem para a coletividade invalida o fundamento social do ato de polícia, pela desproporcionalidade da medida" (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 26ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2001).
O que se busca é que seja observadas a legalidade da sanção aplicada pelo administrador e sua proporcionalidade à infração cometida.
Por fim, não se deve esquecer que as sanções impostas pelos fiscais agentes sanitários devem ser aplicadas com observância do devido processo legal de modo a permitir ao particular fiscalizado o direito à ampla defesa e ao contraditório, ou seja, direito de defender-se das acusações e infrações imputadas, constitucionalmente previsto no art. 5.º, inc. LIV e LV da Carta Magna, como bem já debatido.
Diante do exposto, conclui-se:
O poder de polícia é atividade inerente da Administração Pública, o qual é dotado de "auto-executoriedade", não necessitando de mandado judicial para realizar a fiscalização dos estabelecimentos produtores de alimentos.
Porém, a autuação deve ser limitada pelos elementos do Princípio da Legalidade e Proporcionalidade, a saber: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Devendo sempre ser fundamentada por lei a fiscalização, bem como havendo ocorrência de sanção, essa deve pautar-se na eliminação de riscos ao bem estar social, procurando ao máximo não prejudicar o particular.
Desta feita, o abuso de poder e desvio de finalidade não podem contaminar a fiel atividade estatal , não podendo a fiscalização ser realizada sob o alvedrio do agente, mas sim pautada em limites legais, sob pena de terem sua validade questionada em juízo e responsabilidade pública verificada.
Ademais, o agente fiscal que age dolosamente com fito de prejudicar o particular, a Administração Pública será condenará a indenizar o administrado na esfera civil, conforme art. 37, parágrafo 6º da CRFB/88, além da conduta do agente ser processada e julgada conforme lei 4898/65 administrativamente, podendo acarretar até a perda do cargo público.
PARABÉNS, E OBRIGADA PELAS INFORMAÇÕES.
ResponderExcluirANDREA